19.5.10

A Rua Nova (Avenida Rio Branco)



A atual Avenida Rio Branco era conhecida no século XIX, como a Rua Nova. A referida avenida corta todo bairro da Cidade Alta, no trecho compreendido entre o Baldo e a Ribeira.

O topônimo Rua Nova apareceu pela primeira vez, em 12 de novembro de 1822, em um registro de concessão de terras, pelo Senado da Câmara do Natal, ao comerciante Johan Christian Voigt. O beneficiário requereu terreno "para duas casas, na Rua da Palha ... no fundo destas, na rua Nova; outras duas para o armazém ':

Ao longo da década de vinte do século XIX, apareceram outros dez registros de concessões de terras naquele antigo logradouro público. Em 28 de outubro de 1826, Antônio José de Souza Caldas requeria terras "na Rua Nova, junto ao curral do açougue', o que indicava a existência de um local de comercialização o de carnes.

O último registro existente de concessão de terras na antiga Rua Nova data de 8 de março de 1828, cujo beneficiário foi Antônio José de Matos.

Até 1845, a antiga Rua Nova servia de limite leste da Cidade, com suas casas ocupando apenas o lado voltado para o nascente. A partir dali existia um espesso matagal. Naquela rua existiu a Praça do Peixe, local onde posteriormente foi construído o Mercado Público da Cidade Alta. No século XIX, erguia-se naquele local, hoje ocupado pela agência Centro do Banco Brasil, a forca destinada à aplicação da pena de morte.

O decreto municipal, de 13 de fevereiro de 1888, substituiu o antigo topônimo para Visconde do Rio Branco, homenageando o eminente estadista José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco.

José da Silva Paranhos nasceu na cidade de Salvador BA, em 1819. Ingressou na Academia Real de Marinha do Rio de Janeiro, em 1835. Após concluir o curso, foi nomeado Guarda-Marinha, aos 22 anos.

Em 1843, passou ao posto de 2º Tenente, depois de cursar a Escola Militar do Rio de Janeiro por um período de dois anos. Foi professor da Escola de Marinha, catedrático de várias disciplinas na Escola Militar, diretor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Promulgou reformas no ensino primário.

José Maria da Silva Paranhos foi jornalista, atuando como redator do jornal "Novo Tempo". Político e militar foi membro da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, secretário do Marquês do Paraná em missões diplomáticas, no Uruguai. Foi também Ministro da Marinha, do Estrangeiro e da Fazenda. Também promulgou a Reforma Judiciária, ampliou a concessão de habeas-corpus, apresentou a Lei do Ventre Livre e organizou o primeiro recenseamento do Império.

O Visconde do Rio Branco foi também Grão-Mestre da Maçonaria. Faleceu em 1880, na cidade do Rio de Janeiro.

O povoamento da Avenida Rio Branco foi efetivamente iniciado a partir de 1845, quando o presidente Casimiro José de Morais Sarmento mandou construir a Casa d'Aula e destruir o matagal que impedia a edificação de casas do lado oriental da referida rua.

Na 2ª metade do século XIX, sob influência da Missão Cultural Francesa e da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, a casa urbana adquiriu um novo tipo de implantação. Passou a ser construída com um recuo em relação aos limites da rua, e afastada das casas vizinhas. Exibia jardins frontal e laterais.

A Avenida Rio Branco possuiu um belo exemplar de arquitetura daquele tempo: era o palacete de João Freire, localizado na esquina com a Rua João Pessoa, que resistiu até a bem pouco tempo, apesar de já se apresentar muito descaracterizado o belo casarão, construído com um porão alto, tinha o seu acesso valorizado por Uma escadaria. Ficava o mesmo isolado do exterior, por um vistoso gradil de ferro rendilhado.

O Curral do Açougue, a Praça do Peixe e as quitandas espalhadas pela antiga rua Nova, indicavam a vocação comercial daquele logradouro público.

Em 1860, na gestão do presidente José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, foi iniciada a construção do Mercado Público da Cidade Alta, localizado na atual Avenida Rio Branco, no mesmo local anteriormente ocupado pela Praça do Peixe. Devido à escassez de recursos, o prédio demorou 32 anos para ser erguido. Foi concluído e inaugurado, no dia 7 de fevereiro de 1892, durante o regime republicano. O local onde funcionou o referido mercado, cor responde ao mesmo hoje ocupado pela agência Centro do Banco do Brasil.

Nas proximidades da Praça do Mercado existia uma grande gameleira, conhecida como uma das tradicionais árvores da Cidade. No dia 9 de julho de 1899, ela amanheceu serrada pelo tronco, não tendo sido possível apurar o nome do autor do ato de vandalismo.

Antes da inauguração do Mercado Público, a Câmara alugava casas nos bairros da Ribeira e da Cidade Alta, para servirem de quitandas. Na esquina das atuais Rua João Pessoa e Avenida Rio Branco existia uma quitanda muito freqüentada.

O prédio do mercado teve uma existência efêmera, pois apenas 9 anos depois de sua inauguração, ele já estava em ruínas... sofreu então uma restauração, sendo reinaugurado, em 24 de novembro de 1901.

Na gestão do prefeito Gentil Ferreira de Souza, o velho mercado foi demolido, sendo construído outro prédio, mais amplo, no mesmo local. A população de Natal, que ainda não contava com os modernos recursos da "era da máquina", no campo da conservação de alimentos, era conduzida a adquirir diariamente os gêneros alimentícios.

O Mercado Público tornou-se então um ponto de encontro, um local onde eram divulgados os acontecimentos da Cidade, em primeira mão. Ali comentavam se os assuntos mais diversos, políticos, sociais e, até mesmo, "os ridículos enredos provincianos’.

O mercado da Cidade Alta foi destruído por um incêndio, e nunca mais ali foi construído um novo mercado. Todavia, aquela área da Avenida Rio Branco nunca perdeu a sua vocação primitiva. Até hoje os vendedores ambulantes insistem em expor à venda gêneros alimentícios e artigos dos mais diversos, em suas calçadas.

A antiga Rua Nova era também cenário das apresentações teatrais de grupos amadores. Em 6 de maio de 1900, a Sociedade Dramática Segundo Wanderley encenou ali, ao ar livre, o drama "Gaspar, o Serralheiro".

Existe ainda naquela avenida um significativo prédio, de inspiração neoclássica, construído nos primeiros anos do século XX. O referido prédio já serviu de quartel, depois funcionando o Liceu Industrial durante mais de 50 anos, de 1914 à 1967. Já com a denominação de Escola Industrial, o estabelecimento escolar passou a ocupar um novo prédio, na Avenida Salgado Filho.

O prédio do antigo Liceu Industrial foi posteriormente incorporado ao patrimônio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente algumas dependências do velho prédio da Avenida Rio Branco.

Em 22 de julho de 1906, ocorreu a inauguração de um novo prédio na avenida Rio Branco. No local da antiga Casa d'Aula, surgia o Natal Clube, a mais importante sociedade recreativa da época.

Tratava-se de um lindo chalezinho, de concepção romântica, cuja cobertura era feita em duas águas, arrematada por vistoso lambrequim de madeira. No seu lugar foi posteriormente construído o Banco Nacional, prédio hoje ocupado por uma loja de confecções. A primeira árvore de natal da Cidade foi instalada no Natal Clube em 1909. Ali também ocorreu o primeiro baile à fantasia, em 1911.

O prolongamento da Avenida Rio Branco, no trecho entre a Rua Apodi e o Baldo, foi iniciativa do Presidente da Intendência, Romualdo Galvão, cuja inauguração ocorreu em 20 de março de 1916.

Aos 9 de fevereiro de 1935, o prefeito Miguel Bilro cumprindo um plano antigo, prolongou a Avenida Rio Branco até a Ribeira, através dos terrenos da Vila Barreto propriedade do industrial Juvino Barreto. Surgia assim a segunda via de acesso entre a Cidade Alta e a Ribeira facilitando o tráfego entre aqueles dois importantes bairros de Natal.


Texto de Jeanne Nesi enviado por José Tarcísio de Medeiros.

8.5.10

Anos Dourados II - Praias Urbanas


O tempo passava e o mar se tornava cada vez mais próximo, mais presente. Nos anos trinta a quarenta, ele era pouso obrigatório das famílias de classe alta, que durante o verão migravam para a areia, mudando-se completamente para as suas residências praieiras. Eles levavam mobília, pertences, empregados e, por até três meses, fixavam-se ali. Não havia visitas esporádicas à cidade. O reabastecimento dos mantimentos ficava por conta de algum criado, que ia e voltava da cidade à pé, trazendo os pacotes nos braços.
Muitas de nossas praias urbanas encontravam-se ainda selvagens, seu grande atrativo era a tranquilidade, o repouso. Natal já possuia muitos dos traços urbanos da época e as pessoas buscavam modos alternativos de vida durante as férias, fugindo da cidade. Os veraneios de antes eram bem semelhantes aos de hoje, as diferenças ficavam por conta da relação entre as pessoas, todos ali eram amigos, parentes, conhecidos ou filhos de conhecidos. Havia segurança e confiança nos nativos do lugar. Os pescadores da área ajudavam a vigiar as casas e tinham livre acesso às suas portas. Claro, o mar era um prazer para um público seleto. Contavam-se poucas casas de veraneio, mas estas congregavam bastante gente, grandes famílias com muitos filhos, primos e sobrinhos.
Os novos exploradores do mar tinham liberdade para conhecer a área e descobrir os brinquedos do litoral. O território do Forte dos Reis Magos era aberto, sem vigilância, o que o tornava cenário favorito dos piqueniques organizados na época, uma diversão que durava um dia inteiro. A rotina dos dias resumia-se a passeios, brincadeiras na areia e banhos de mar, este último, o mais apreciado. As noites ficavam por conta dos violões dos seresteiros, que reuniam toda a gente das vizinhanças nos alpendres, embalando flertes e conversas com suas canções, que fluiam ao sabor da maresia.
O médico Jahyr Navarro, antigo veranista da praia de Areia Preta, - a primeira a abrigar esse tipo de casas - acompanhou o desenrolar de três décadas naquelas areias. Ele recorda que quando menino seu passatempo favorito era escorregar nas dunas sentado numa prancha de madeira, lubrificada com um pouco de cera de vela. Isso, em 1935, muito antes de alguém associar essa prática ao esporte de neve e apelidá-la de "skibunda". Navarro lembra de detalhes do cotidiano nas praias, como o ônibus amarelo da Força e Luz, única alternativa de transporte além do bonde. "Era um ônibus amarelo da companhia de luz elétrica, que quando chovia era obrigado a ultrapassar o barro acumulado na ladeira do sol de marcha ré, as crianças o usavam como meio de chegar até a escola".
Saudoso daquele tempo, Jahyr recorda ainda a atmosfera das praias na década de cinquenta, quando se reunia com seus companheiros no bar "É Nosso", para ensaiar as marchinhas de carnaval que seriam cantadas nos bailes do Aero Clube - sucessor do Natal Clube na preferência do high society. Vem dessa época também, o surgimento da Praia dos Artistas, mais reservada que as demais. A origem do apelido deve-se a fama de ter hospedado os grandes artistas do rádio, como Cauby Peixoto, Francisco Alves e Maria Creuza, que a escolhiam por estar mais distante da concentração de pessoas. Lá eles podiam tomar banho isolados na prainha. Algum tempo depois a fama de esconder artistas começou a atrair mais gente para a praia, afastando os frequentadores ilustres, mas, deixando o rótulo.
Começava a se espalhar a moda da paquera na areia, "Conhecíamos o ‘ponto’ onde cada moça tomava sol. Elas sempre escolhiam o mesmo lugar, para facilitar o acesso dos pretendentes", afirma o médico. Claro, todo o envolvimento transcorria com muita discrição, não se sonhava ainda com as ousadias de hoje em dia.
Na década de cinquenta, as praias de Natal tiveram a exibição do que seria um traje de banho moderno. A primeira mulher a pisar vestida de maiô numa praia de Natal foi uma aeromoça espanhola, trazida por um rapaz chamado Faruk. A visão das suas curvas ajustadas na peça, que se estendia até os joelhos, desencadeou um tumulto imprevisto nos rapazes, que ameaçaram reduzir bem mais o tamanho do traje, arrancado-o aos pedaços. Felizmente, a moça foi protegida e seu maiô escapou ileso. Era a modernidade começando a arranhar nosso provincianismo.


Do texto de Clotilde Tavares