30.5.09

Maria de Oliveira Barros


Maria Boa. (Sandro Fortunato*)

Cabe uma explicação aos mais jovens, aos castos e aos pudicos. Cabaré, boate, casa de massagens, puteiro, casa de strip, relax for men e outros templos do prazer carnal não são tudo a mesma coisa.
Cabaré é algo que quase não existe mais. Era o local de trabalho das damas, das mulheres da noite. Nele havia uma dona, geralmente uma senhora respeitável, douta na arte de fazer um homem gemer sem sentir dor, conhecedora de mistérios somente revelados à meia luz, entre gemidos e sussurros. Essa senhora recebia em sua casa várias meninas que, repetindo sua própria história, um dia haviam fugido de casa ou sido colocadas para fora pelo pai envergonhado da filha ingrata que desgraçara o lar fazendo safadeza antes do tempo e sem ser casada. Essas meninas tinham cada uma, seu quarto, suas coisinhas, seu mundo. Tinham hora para trabalhar. Tinham clientes preferidos. Também tinham amigos. Tinham uma vida. E, essa não era nada fácil.
Ir a um cabaré nem sempre significava buscar sexo pago. Freqüentava-se cabaré para beber, conversar com os amigos, com as meninas da casa, ver um show, enfim, para se divertir e relaxar. Ao final, você poderia voltar para casa de espírito mais tranqüilo e sem necessariamente ter chegado às vias de fato.
Na provinciana Natal desde os anos 40 a meados da década de 80, existiu o Cabaré de Maria Boa, talvez o último desses locais que merecesse ser chamado assim. Era de propriedade de uma verdadeira dama, respeitável cortesã.
Luz vermelha, quartos minúsculos com acústica privilegiada aos que passavam no corredor, toalhinha e bacia com água para lavar as partes, cerveja gelada, meninas que conversavam, mulheres mais experientes com suas “frases de sedução”: E aí, bonitão, vamos brincar um pouquinho hoje? ou Vem cá, simpático. A radiola de ficha a tocar e as meninas sonhando com alguém que as tirasse daquele lugar.
Maria Boa era natural de Campina Grande. Como teria vindo para Natal? Será que a menina, então com pouco mais de vinte anos, que deixava Campina, poderia imaginar que a Casa de Maria Boa faria fama no Brasil e no mundo e, mais que simples cabaré, viraria referência turística da capital potiguar?
Maria Boa chegou a Natal junto com os americanos e a Segunda Guerra. Sua casa levou se tornou um referencial. Era freqüentada por políticos e empresários. Funcionou por aproximadamente meio século. Já era quase uma septuagenária quando caminhava diariamente ao amanhecer pela Praia do Meio, onde morava, com uma antiga amiga. Não se sabe se nessa época ainda aparecia para gerir os negócios. Poucos tiveram a oportunidade de pousar olhos embriagados sobre sua lendária figura.
Uma história foi contada na edição do Diário de Natal, que trazia a notícia da morte de Maria. O fato ocorreu em um churrasco em família, num ambiente bem tranqüilo: “Numa cadeira ao lado, sentou uma senhora usando vestido azul e sandálias pretas. (…) Seus traços físicos ainda guardavam sinais de uma mulher que já fora muito bonita, de belo corpo. Conversei uma hora com a mulher ao lado. Ao final do papo, ela perguntou meu nome. Respondi a senhora e, por educação, fiz a mesma pergunta. Com um sorriso, ela me respondeu: “Me chamo Maria de Oliveira”. (…) Alguns minutos após, minha avó se aproximou, comentei com ela: “Que mulher distinta e educada, ela parece uma lady do tipo inglesa”. Minha avó disse: “Você estava conversando com Maria Boa”.
Outra história, na cobertura do enterro, foi registrada:
Morreu ontem, por volta de 1 hora da manhã, vítima de acidente vascular cerebral - AVC (trombose), na Casa de Saúde São Lucas, Maria Oliveira Barros, mais conhecida como Maria Boa, 77 anos. Ela fez história no Rio Grande do Norte com seu bordel. Com o sepultamento de Maria Boa, desaparece também uma figura lendária da história da cidade, que da badalação da noite envolveu-se num véu de recato e discrição, usufruindo o que amealhou com décadas de trabalho em extremo convívio familiar.
Quem não viveu a Natal dos anos sessenta, quando o sexo era reprimido “entre as moças de família”, não pode avaliar o que foi essa “instituição” para jovens iniciantes, ou para o relax de vestutas figuras do Judiciário, Legislativo e Executivo, empresários, enfim cidadãos de todos os tipos, de uma cidade com menos de 200 mil habitantes .
Junto com Maria, morreu todo o romantismo de uma época.
Hoje, temos garotas de todos os tipos, para todos os bolsos, gostos e fantasias, mas não se fazem mais Damas da Noite como antigamente.
* Acrescentadas, pelo blog, algumas notas ao texto original.

26.5.09

Noilde Pessoa Ramalho


Exemplo de dedicação ao ensino, símbolo vivo de um modelo educacional, Noilde Pessoa Ramalho nasceu em Nova Cruz, RN, em 1920.Fez os estudos primários em Natal e foi aluna da Escola Doméstica, onde, a partir de 1940, passaria a lecionar. Em 1945, foi nomeada diretora em terras natalenses. Desde então, a professora Noilde permanece no cargo que assumiu com apenas 25 anos de idade.Em seus primeiros anos, a escola foi dirigida por diretoras estrangeiras e seguiu fundamentos básicos europeus, mais precisamente suíços. A partir de 1945, o seu ensino começou a ter adaptações gradativas, em busca de padrões brasileiros, graças principalmente ao discernimento e à sensibilidade de Noilde Ramalho.À frente da Escola Doméstica, Noilde vem imprimindo, há mais de meio século, a marca da eficiência, do trabalho, do amor ao ensino. Entre outras realizações, inaugurou o pavilhão de puericultura, fundou a Associação das Ex-alunas, revalidou o curso doméstico de nível colegial, construiu um parque esportivo com ginásio coberto, quadras de vôlei e basquete, piscina e pista de atletismo, construiu e instalou a Biblioteca Auta de Souza, o Centro de Ciências Juvenal Lamartine e um teatro escola com capacidade pra 300 pessoas. Mais recentemente, criou a Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte, com cursos de Direito e Administração de Empresas.“Noilde Ramalho exerce a sua função como se estivesse no primeiro ano de atividades. E confessa o seu entusiasmo. Assim é que está sempre imaginando e realizando novas melhorias [na Escola Doméstica], porque entende que a educação é um processo de mudança e aperfeiçoamento.”“A Escola Doméstica mudou a vida da mulher do Rio Grande do Norte em sua identidade civil. Ao formar moças das décadas primeiras deste século, com uma educação esclarecida do seu papel como personagem transformadora da sociedade, a Escola inovou. Inovou, incomodou e persistiu.”A história da Escola Doméstica de Natal confunde-se com a biografia de Noilde Ramalho, Dona Noilde para todos, e vice-versa. (Garibaldi Alves)

23.5.09

Isabel Gondim


Isabel Urbana Carneiro de Albuquerque Gondim nasceu em Papari, hoje município Nísia Floresta, estado do Rio Grande do Norte. Era poeta, educadora, dramaturga, ensaísta e autora de livros didáticos. Segundo os críticos da época era dotada de grande inteligência com dons especiais para a literatura. Isabel era especialmente preocupada com a formação das mulheres. Notando a falta de um livro escrito na Língua Portuguesa, destinado à primeira educação da mulher, ela resolve escrever este livro, destinado à educação nas escolas primárias do sexo feminino, oferecido pela autora ao governo dos Estados Unidos do Brasil. Seus livros foram muito adotados nas escolas públicas até o início do século XX. Em 1873, escreveu Reflexões às minhas alunas indicado nas escolas femininas. O livro tinha o cunho moralista analisando os vários momentos da vida feminina: da menina em fase escolar, da moça em puberdade, da moça em sua juventude, da mulher casada e da mulher mãe.O Sacrifício do amor, foi uma peça de teatro em cinco atos.Isabel Gondim foi a primeira mulher eleita sócia efetiva do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte e do Instituto Arqueológico de Pernambuco.
Isabel Gondim configura a historicidade dos seus textos, a publicação, as edições e o momento histórico da educação no Brasil, principalmente no Rio Grande do Norte.Na casa de Isabel se reuniam os intelectuais da época onde realizavam grandes saraus. A escritora é a patrona da cadeira nº. 8 da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Os seus poemas publicados em jornais foram reunidos no livro A lyra singela, em 1933. Seu longo poema ufanista e romântico O Brasil, teve grande repercussão de público. Nesse poema a escritora louvou as belezas da pátria amada.

16.5.09

Jerônimo de Albuquerque


Era mameluco, filho do português Jerônimo de Albuquerque e de Ubira-Ubi, filha do morubixaba Arco Verde.
Bravo, indômito e soberbo, era, pelo nome de seu pai, muito respeitado pelos portugueses; e, pelo de seu avô materno, objeto prestigioso do amor e do orgulho dos índios amigos, e que estendeu a sua fama e o temor de seu braço pelas tabas dos selvagens ainda não submetidos.
Foi figura de destaque na história do Brasil, de modo geral, e verdadeiro conquistador do Rio Grande, de modo particular.
Estava na frota que chegou em 1597 para a conquista do Rio Grande, e na construção do Forte, do qual foi o primeiro comandante, tendo sido nomeado por Mascarenhas Homem. Mais tarde foi escolhido para ser o primeiro Capitão-mor da Capitania.
No comando deste Forte trabalhou com os missionários para a realização das pazes com os indígenas potiguares.
Dele se dizia em relatórios oficiais da Coroa: “Sem índios não se pode fazer guerras e sem Jerônimo de Albuquerque não temos índios”.
Em 1612, parte deste Forte para a expulsão dos franceses e a conseqüente conquista do Maranhão. Pela vitória alcançada lhe será permitido usar do sobrenome Maranhão, que será uma importante família na história do Rio Grande do Norte. Foi auxiliado pelas forças indígenas comandados por Camarão e Jaguarari.
Em razão de seus feitos recebeu o título de Cavalheiro Fidalgo da Casa Real.
Faleceu no Engenho Cunhaú, em 1618, e foi sepultado na Capela do Estabelecimento.

14.5.09

Tupis e Tapuias

Dança dos Tapuios (Albert Eckout-Séc XVII)*

OS INDÍGENAS DO RIO GRANDE DO NORTE
(Walner Barros Spencer)

TUPIS
Pouco se sabe sobre a origem dos índios que dominavam este território quando da chegada dos europeus. Pode-se dizer que a faixa litorânea era ocupada por índios agricultores, do grupo lingüístico Tupi. Chegaram à região entre os anos 500 e 1000 de nossa era. Os índios encontrados pela frota de Cabral, na Bahia, eram dessa etnia.
Eram sedentários, bem organizados socialmente, bons canoeiros e antropófagos, isto é, comiam carne humana, de maneira ritualística. Orgulhosos, bons guerreiros, hábeis no arco e na flecha, bem como no uso da borduna, um tacape de madeira dura.
Expulsaram os índios tapuias para o interior. Seu principal plantio era o da mandioca, com a qual produziam farinha. Sua cerâmica tinha influências da cultura marajoara, da Amazônia.
Os índios potiguares, que eram Tupi, dominavam toda a costa litorânea do Estado e grande parte do litoral cearense. Possuíam grandes aldeias, como a de Igapó, a de Macaíba, e as que margeavam a Lagoa de Guaraíras, assim como aquelas da região de Georgino Avelino e do rio Curimataú.
O Tupi, no decorrer do tempo, irá misturar-se, biológica e culturalmente, com os colonos europeus, ou com os escravos negros, a depender da maior ou menor posição na estrutura social da época. Houve mistura racial a partir dos mais nobres dos portugueses, aqui radicados, até o menos conhecido dos soldados. É bom salientar que estudos recentes, baseados na comparação de componentes do DNA, demonstraram ser bastante expressiva a contribuição do sangue indígena na população branca do Brasil. No Nordeste, por exemplo, o percentual dessa miscigenação racial ultrapassaria 60 %. No sul, estaria acima de 45%.
Esses índios foram elementos importantes e eficientes nas tropas portuguesas, tendo tomado parte, praticamente, em todas as guerras, lutas e campanhas coloniais, tanto no Brasil quanto em outras colônias lusitanas na África. Guerreiros versáteis formaram as forças auxiliares que atuaram na conquista e na expansão européia de nossa região. Não se deve esquecer que as famosas tropas de sertanistas paulistas – desde as primeiras bandeiras – eram formadas de mamelucos (índio e branco) e de índios puros. A maior parte deles era Tupi, ou formada de seus descendentes.
TAPUIAS
O sertão abrigava uma enormidade de grupos de variados tamanhos, os quais falavam línguas diversas, e eram conhecidos pelo nome genérico de tapuias ou tapuios. Esse nome nada mais representa do que a maneira com que s Tupi denominava a todo e qualquer indígena que não falasse o idioma túpico. Os tapuias dividiam entre eles algumas características homogêneas adquiridas na luta pela sobrevivência em um meio-ambiente freqüentemente hostil ao homem.
As tribos tapuias eram temidas por todos os demais indígenas. Eram diferentes em suas maneiras de ser. Corredores incansáveis e velozes, somente os animais podiam competir com eles. Astutos e cheios de manhas, preparavam emboscadas e armadilhas para os outros. O vigor físico e a valentia desses guerreiros sempre foram características admiradas e respeitadas pelo restante dos indígenas. Eram silenciosos e cautelosos quando iam à guerra. Ao avistarem seus inimigos arremetiam contra eles numa rapidez sem igual. O barulho que faziam, então, era ouvido ao longe, por entre as ramagens da caatinga ou da mata litorânea.
Exímios flecheiros, suas flechas certeiras eram letais. Excelentes rastreadores seguiam os inimigos por lugares difíceis e ásperos. Conhecedores dos terrenos que palmilhavam, reconheciam todos os seus acidentes, o que lhes permitia aparecer de surpresa por sobre as tropas européias.
Era típico de algumas tribos – dos janduís, por exemplo – o uso de propulsores de arremesso. Construídos em madeira, esses instrumentos de lançamento de dardos, podiam multiplicar por dez a força de impacto, sem perda da precisão no atingir o alvo. Os dardos, geralmente, tinham pontas de pedra cortantes que atravessavam o corpo de um homem.
Um aspecto peculiar desses indígenas foi sua adaptação à maneira do europeu lutar. Ela incluía o perfeito conhecimento do manejo dos diversos tipos de armas de fogo. Esta característica será a grande responsável pela vigorosa resistência que eles irão impor aos portugueses durante mais de 25 anos nos sertões do Rio Grande do Norte e Ceará. Esta resistência – o Levante do Gentio Tapuia – era, anteriormente chamada, errônea e preconceituosamente, de Guerra dos Bárbaros (Séc. XVII-XVIII).
Muitos índios tiveram papel de destaque tanto na conquista da terra auxiliando os europeus, quanto na resistência à colonização do território. Nunca são lembrados, em que pese os indígenas terem sido sempre, em quase todas as circunstâncias, os responsáveis pelo sucesso da dominação européia da terra brasileira. Seja como o principal contingente guerreiro – em quantidade e em qualidade – quanto pelos ensinamentos de como sobreviver em um ambiente tropical, completamente diverso do ambiente da Europa.

Os documentos históricos estão repletos de nomes nativos, nomes que os livros de história teimam em não fazer conhecidos, mas cuja memória merece igual respeito ao menos do que qualquer prócere português.

Assim, nessas terras soaram milhares de vezes o som de chamada de um Itaobo, Pirangibe, Paraguassu, Zorobabé, Ibiratinim, Metaraobi, Ipanguaçu, Jaguarari, Canindé, Janduí, dentre centenas de outros.
* Colaboração do Geólogo Edgard Ramalho Dantas:
O autor da tela é ALBERT ECKOUT, que juntamente com FRANZ POST são os principais pintores que MAURICIO DE NASSAU trouxe para o Nordeste durante o seu governo no Século XVII.
É uma das telas mais reproduzidas na historiografia desse período, assim como dos indígenas e tipos que habitavam por aqui.
Está nos bons textos de História da Arte no Brasil e, todo o trabalho de Albert Eckout já mereceu a edição de um album especial em lingua portuguesa.
As telas de Albert Eckout foram presenteadas por Nassau ao Rei da Dinamarca e fazem parte hoje do patrimonio artístico dinamarquês.
Estiveram recentemente expostas em Recife na Fundação Ricardo Brennand quando tive oportunidade de vê-las. A maior de todas é esta reproduzida em Natal de Ontem, salvo engano denominada "Dança dos Tapuios", possívelmente esboçada ao vivo ali entre as serras de São Bernardo e do João do Vale, aonde se situava a aldeia principal do chefe JÁNDUÍ, tarariú geralmente denominados como tapuios. Impressionante é que as figuras estão todas pintadas no seu tamanho natural.
Na sua real e expressiva verdadeira grandeza. O que mais me impressionou nesta e em outras telas de ECKOUT é verificar que as fisionomias então reproduzidas ainda podem ser reconhecidas nas nossas famílias e nos tipos populares nordestinos.

9.5.09

Martha Salem


Para Martha Salem, minha mãe. (Minervino Wanderley*)

A raça humana, por sua própria multiplicidade, guarda significativas diferenças entre si. Nesse rol, existem indivíduos que pertencem a uma classe que podemos denominá-la de especial. São aqueles que, apesar dos obstáculos surgidos ao longo das suas caminhadas, não se entregam e, às vezes, por suas proporções, podemos até dizer que até teimam continuar vivendo. São os obstinados pela vida, que extraem dessas adversidades suprimentos necessários para sedimentar seus passos.

Mas essa eutanásia às avessas tem uma razão de ser: dentro de cada um desses seres, lá dentro, bate um coração ávido pelo simples prazer de estar vivo. São os que sabem valorizar o nascer de um novo dia como se fosse um novo começo. São aqueles que, através de simples gestos, espontâneos e habituais, deixam brotar seu amor pelo próximo, injetando nos menos providos, por meio de sua sabedoria, doses de ânimo e coragem.

Martha Wanderley Salem, 97 anos, é um exemplo de uma pessoa especial. Ela não sucumbiu ante os entraves e tampouco debitou ao destino sua situação. Sua vontade de vencer os desafios colocou-a como participante do jogo da vida, não permitindo que ela fosse simplesmente uma espectadora. As desventuras solidificaram seus sentimentos, abrindo espaço para que seu espírito solidário emergisse, e que sua voz sempre fosse plena de entusiasmo e de incentivo aos necessitados. Uma pessoa, na sua mais pura essência, do bem.

D. Martha é realmente uma pessoa diferenciada. Na sua infância, em Açu, sua predileção era pela convivência com as freiras austríacas do colégio onde estudava. Desse cotidiano surgiu um amor incondicional pela Áustria. Aprendeu a língua alemã e, por muitas vezes, tentou transmitir aos filhos esse aprendizado. Infelizmente, sem sucesso. Ela falava do Tirol e de sua capital, Insbruck, como se lá vivesse há muito. Tal amor fica bem exemplificado quando, ao se encontrar com uma amiga que acabara de chegar do “seu” país, disse: “Deixe-me fitar os olhos que fitaram a minha Áustria.” Sem maiores comentários.

Mas a sua sensibilidade não fica por aí. Para externar seu amor às coisas belas da vida, ela fez uso de um outro dom: a pintura. Através dessa arte, conseguiu retratar coisas que habitavam sua brilhante mente. Flores, principalmente suas adoradas orquídeas, paisagens, rostos, serviram de inspiração para seus quadros, tanto em óleo, quanto em aquarela. Verdadeiras obras-primas.

Rapidamente tornou-se professora e inúmeras gerações tiveram o privilégio de com ela compartilhar um pouco dos seus conhecimentos. Fosse no campo das línguas ou da pintura, todos encontravam em D. Martha a mestra ideal. Paciente e obcecada por dividir o que sabia, seus dias eram de inteiro prazer. Sua capacidade de comunicação sempre foi invejável. Mantinha longas “palestras” com jovens e com adultos com o mesmo prazer. Guardou-os dentro do seu coração e, até hoje, tem enorme carinho por esses amigos que conquistou durante a vida.

Dona Martha é, sem dúvidas, alguém que tem um verdadeiro caso de amor com a Vida.

*Jornalista

4.5.09

Natal no Século XIX - parte I

Atheneu Norte Riograndense na Rua da Cruz (depois denominada
Av.Junqueira Ayres e atualmente Av. Câmara Cascudo).

Em 1868 era publicado o ATLAS DO IMPÉRIO DO BRASIL, de autoria de Cândido Mendes de Almeida, no qual consta um mapa relativo à então província do Rio Grande do Norte. Encartadas no mesmo mapa, figuram uma planta de Natal e uma topografia do porto1. Pesquisas procedidas nos levaram a determinar o ano de elaboração do mapa: 1864, quando a província era presidida pelo Dr. Olinto José Meira.
De relance constata-se a existência, em Natal, de dois núcleos urbanos: os bairros da Cidade Alta e da Ribeira. Separando os dois bairros havia um alagado, conseqüência de um baldo, com cerca de 200 metros de extensão, construído na margem direita do Potengi, vizinho à atual Praça Augusto Severo. O alagado achava-se cortado por uma ponte, edificada no ano de 1732. Medindo cerca de 130 metros de extensão, a ponte, de madeira, fora construída sobre duas paredes paralelas, de pedra e cal, medindo cada uma quatro palmos de altura e outros tantos de largo. A ponte foi obra do mestre-pedreiro Antônio Correia, mediante contrato firmado com o Senado da Câmara do Natal (Auto de Vereação de 18 de março de 1732)

1. No tocante aos Largos e Praças existentes em Natal, o mapa estudado nos dá conta dos seguintes: a Praça da Matriz, mais conhecida como Praça da Alegria, hoje Praça Padre João Maria; a Praça de Santo Antônio, defronte à igreja do mesmo nome; a Praça do Palácio, hoje denominada de Praça André de Albuquerque; o Largo do Quartel, por detrás do atual Colégio Winston Churchill, estendendo-se até a Avenida Junqueira Ayres, hoje Avenida Câmara Cascudo; o Largo do Rosário, ao lado direito da Igreja do mesmo nome.
As igrejas apresentadas no mapa correspondem às de Nossa Senhora da Apresentação, de Nossa Senhora do Rosário, de Santo Antônio, e do Bom Jesus, todas elas ainda existentes e em pleno funcionamento.
O mapa de 1864 também focaliza os prédios públicos, em número de onze: o Palácio do Governo, na Rua da Conceição, demolido em 1914 para ceder espaço à atual Praça Sete de Setembro;

2 – A Assembléia Provincial, que ocupava o 1º andar de um edifício (demolido em 1865), também na Rua da Conceição, no ponto hoje ocupado pelo Palácio Potengi;
3 – A Câmara Municipal, cujo prédio foi derrubado em 1911, localizada no terreno hoje correspondente à casa nº 604 da Praça André de Albuquerque;
4 – A Tesouraria da Fazenda, cujo edifício foi demolido em 1875. Ficava no local onde hoje existe o Memorial Câmara Cascudo;
5 – A Tesouraria Provincial, ocupando o andar térreo do edifício da então Assembléia Legislativa;
6 – A Alfândega, na atual Rua Chile, no local onde se encontra a Capitania dos Portos;
7 – O Atheneu, no mesmo ponto onde hoje existe a Secretaria Municipal de Finanças, na Avenida Junqueira Ayres, hoje Avenida Câmara Cascudo;
8 – O Quartel de Linha, demolido para construção do Colégio Winston Churchill, na atual Avenida Rio Branco;
9 – O Quartel do Corpo Policial, no mesmo terreno onde funcionou o Banco Nacional, na esquina da Rio Branco com a Rua João Pessoa;
10 – O Hospital Militar, onde hoje fica a Casa do Estudante, na antiga Rua Presidente Passos, atualmente Praça Cel. Lins Caldas;
11 – A Cadeia, que ocupava o andar térreo da então Câmara Municipal.
No bairro da Cidade Alta constatamos a presença de diversas ruas e travessas. Estas, que eram orientadas perpendicularmente em relação ao Rio Potengi, atingiam o número de cinco.
A primeira dessas travessas, cujo nome não pudemos encontrar, correspondia à atual Rua Apodi (trecho estreito), ligando as atuais Avenida Rio Branco e Rua Padre Pinto. Tal travessa correspondia ao limite Sul de Natal. Ficava-lhe paralela a atual Rua Dr. Heitor Carrilho, que se estendia da atual Rio Branco à Rua Santo Antônio. O prolongamento dessa última travessa correspondia à atual Rua Expedicionário Rodoval Cabral, existente no oitão esquerdo da Igreja de Santo Antônio. Em seguida aparece a Rua João Pessoa de hoje, que tinha um curto percurso: da atual Rio Branco à Praça da Alegria. Seguia-se-lhe uma outra travessa, hoje denominada Rua Cel. Cascudo, que também ligava a Rio Branco à Rua da Conceição. Ficava-lhe paralela, prolongando-se até as proximidades da Igreja do Rosário, uma outra travessa, hoje correspondente às ruas Ulisses Caldas e Dom Pedro I.
Por Olavo Medeiros Filho

1.5.09

Natal na Segunda Guerra Mundial

Roosevelt e Vargas em Natal.

Com a sua atividade turística, basicamente sustentada pelo binômio “Sol & Mar”, a cidade do Natal, ao longo dos anos, tem deixado escapar a oportunidade de fomentar novos negócios, a partir da exploração do chamado “turismo histórico” – um nicho de mercado que gera divisas em vários destinos do mundo.

Que Natal foi uma cidade abençoada pela Mãe Natureza, ninguém duvida. Incrustada no encontro do rio Potengi com o Oceano Atlântico, sua beleza é ímpar. Suas praias, com suas águas mornas, têm sido procuradas por turistas nacionais e internacionais. A proximidade com os continentes europeu e africano lhe põe em posição privilegiada no cone sul-americano.

Mas Natal, além de bela, teve seus momentos de glória. Em razão exatamente dessa localização geográfica, que a colocou em meio ao maior conflito da História, que foi a Segunda Guerra Mundial, a cidade escreveu seu nome no cenário mundial. Ao servir de apoio às tropas americanas que se dirigiam aos combates na Europa e África, Natal contribuiu, de forma, significativa, para o sucesso dos aliados.

Aqui, em 1942, foi construída a maior base americana fora dos Estados Unidos. Aos cerca de 35.000 natalenses se juntaram mais de 10.000 soldados americanos, fato que alterou a feição da cidade, deixando-a com ares “americanizada”. Em razão disso, os hábitos dos natalenses foram profundamente alterados, como, por exemplo, as moças passaram a fumar, a beber e a freqüentar bailes, no mais perfeito estilo americano.

Natal perdia aos poucos suas características de cidade pequena. Seus habitantes que até então levavam uma vida modesta e tranqüila, passaram a fazer parte de um local que passou a tomar, inclusive, um aspecto cosmopolita, com a passagem pela cidade de pessoas de outras nacionalidades, com direito a figuras importantes, como D. Francis J. Spellman (arcebispo de Nova York), Bernard (príncipe da Holanda), Higinio Morringo (presidente do Paraguai), Sra. Franklin D. Roosevelt (Primeira-dama dos Estados Unidos), Sr. Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil), a madame Chiang Kai Chek (primeira-dama de Formosa), T. V. Soong, ministro das Relações Exteriores da China, os atores Humphrey Bogart, Clark Gable, o músico Glenn Miller, o cantor Al Johnson, entre outras personalidades.

Mas, o que restou de tudo isso? Qual a herança histórica de Natal? Quase nada. Enquanto vemos cidades como Casablanca, no Marrocos, também por sua condição geográfica, teve importante papel na Guerra, servindo, inclusive, de pano de fundo para um clássico do cinema, Natal mereceu um registro, acanhado, diga-se de passagem, quando aqui foi filmado “For All – O Trampolim da Vitória”.

Não dá para se entender como não temos um museu preservando um momento ímpar da nossa história. Quantos turistas, principalmente americanos seriam atraídos por esse pedaço da História? Infelizmente continuamos com o mesmo espírito pequeno, quando os feitos dos outros são mais importantes que os nossos.

Personagens como Maria Boa e Zé Areia têm que ser resgatados. Eles não podem, nem devem, existir somente na memória dos antigos. Eles fizeram parte, de forma ativa, daquela Natal.

Maria Boa com seu bordel que encantou aos americanos, sendo merecedora de uma homenagem, quando pilotos dos famosos B-25 pintaram uma escultura sua em dos aviões.

Flávio Silva, no seu trabalho Natal na Segunda Guerra Mundial: influência americana e prostituição feminina conta que “cercada por muros altíssimos, iguais às fortalezas de guardar donzelas nos tempos medievais, protegida dos olhares indiscretos e sombreada por enormes mangueiras, a boate de Maria Boa, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, estava para a boêmia local e internacional assim como o Maracanã está para o futebol mundial”.

Zé Areia, com sua “verve”, fez rir toda uma geração. Sua convivência com os soldados americanos é merecedora de obra literária. Seu “comércio” de papagaios com os soldados tem passagens hilárias.

Sobre venda de papagaios para americanos, há uma memorável passagem do nosso herói. Ele vendeu um papagaio muito novo, que tinha até uma ferida na cabeça. Para cobrir o ferimento, ele colou um selo postal. Como o americano estranhasse, ele foi rápido: “Com este selo, ele já está pronto para passar pela alfândega. Fiscalização muito exigente!”. Figuras como Maria Boa e Zé Areia têm que ser eternizadas. Os visitantes precisam conhecer nossa história. Infelizmente pouco, ou quase nada tem sido feito visando isso.

Mas nada está perdido. Temos pessoas que se interessam por isso. Que amam Natal. Falta o poder público colocar essa parte da nossa história como prioridade, que Natal terá um dos maiores chamarizes turísticos do Brasil. É pagar para ver.
Por Minervino Wanderley filho de Dona Martha Salem.