Mais uma página da história de Natal ...
Era 1961. Morava na Avenida Campos Sales em frente ao seminário São Pedro, que naquela época tinha uma atividade religiosa intensa, além de um grande número de seminaristas.
Estudava no Colégio Marista, onde formamos um time de futebol de salão, o técnico era Irmão Anchieta.
Fora do colégio, o esporte preferido, era jogar botão; vidro inquebrável, baquelite, plástico derretido, lixa d'água e parafina, eram materiais indispensáveis pra se fazer um bom time. Os beques mais fornidos tinham ângulos de 90° para chutar bola (botão de camisa) rasteira e os atacantes formavam ângulos mais abertos, com um bico de gaita pra chutar alto, cobrindo o goleiro, geralmente uma caixa de fósforos.
Toda manhã ia para o colégio e quase sempre de carona e a tarde era pra jogar botão com os amigos e a turma de garotos que freqüentavam o América da Rua Maxaranguape.
Resolvemos fundar o nosso próprio time de futebol de salão, o Corinthians. Fui escolhido presidente.
Na primeira reunião, tratamos de arrecadar fundos para comprar a bola, camisas, calções e meiões; o tênis era por conta de cada um. Demos um balanço nas mesadas e o resultado foi pífio, só dava pra comprar a metade das camisas; tínhamos quer ir à luta.
Reunimos uma comissão com três participantes e fomos ao centro da cidade para pedir ajuda aos comerciantes. Saímos pela Apodi, entramos na Deodoro, João Pessoa e finalmente Avenida Rio Branco, onde se concentravam as maiores lojas de Natal.
A primeira loja que entramos foi na Casa Duas Américas e encontramos logo na entrada o proprietário, um sujeito alto, musculoso, com bíceps se avolumando na camisa de mangas compridas, cabelos impecavelmente penteados com brilhantina, era o Sr. Nagib Salha.
–Senhor, nós estamos formando um time de futebol de salão e viemos pedir uma ajuda para comprar as camisas.
Nagib olhou de cima pra baixo pra mim, que a essa altura já tremia o corpo inteiro, enfiou a mão no bolso, abriu um sorriso e nos deu cinco cruzeiros. Pegamos o dinheiro e saímos felizes da vida.
Em seguida fomos a Formosa Síria, Casa Rubi, Casas Cardoso até que chegamos à Ulisses Caldas, e resolvemos ir à Prefeitura.
Chegamos ao Palácio Felipe Camarão, por volta das três da tarde, entramos sem ser interpelados e fomos logo subindo a escadaria de madeira.
Já no saguão que dá acesso ao Gabinete, uma senhora muito gentil perguntou:
- O que vocês desejam?
-Falar com o Prefeito, respondi.
-Olhe ele aí.
Quando me virei, vi aquele homem alto de cabelos pretos ondulados, e me dirigi pra ele; eu estava gelado e tremia todo por dentro.
-O que você quer garoto?
Perguntou Djalma, colocando a mão na minha cabeça.
-Senhor, nós fundamos um time e estamos pedindo uma ajuda para comprar o material.
-Time de que, meu filho?
-De futebol de salão, respondeu um dos amigos que me acompanhavam, pois eu já não conseguia falar.
Djalma abriu um sorriso largo, enfiou a mão no bolso, que me pareceu bem fundo, de uma calça branca de pregas ao lado dos bolsos, puxou uma nota de vinte cruzeiros e me entregou, afastando-se com dois assessores, rumo ao Gabinete.
Saí andando de costas, olhando para aquele homem, que estava de costas pra mim.
-Obrigado, balbuciei.
Aquele dinheiro deu pra comprar nossa bola. (Chagas Lourenço)
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24.9.08
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