21.11.08

Natal na II Guerra


Com a sua atividade turística, basicamente sustentada pelo binômio “sol & mar”, a cidade do Natal, ao longo dos anos, tem deixado escapar a oportunidade de fomentar novos negócios, a partir da exploração do chamado “turismo histórico” – um nicho de mercado que gera divisas em vários destinos do mundo.
Que Natal foi uma cidade abençoada pela Mãe Natureza, ninguém duvida. Incrustada no encontro do rio Potengi com o Oceano Atlântico, sua beleza é ímpar. Suas praias, com suas águas mornas, têm sido procuradas por turistas nacionais e internacionais. A proximidade com os continentes europeu e africano lhe põe em posição privilegiada no cone sul-americano.
Mas Natal, além de bela, teve seus momentos de glória. Em razão exatamente dessa localização geográfica, que a colocou em meio ao maior conflito da História, que foi a Segunda Guerra Mundial, a cidade escreveu seu nome no cenário mundial. Ao servir de apoio às tropas americanas que se dirigiam aos combates na Europa e África, Natal contribuiu, de forma, significativa, para o sucesso dos aliados.
Aqui, em 1942, foi construída a maior base americana fora dos Estados Unidos. Aos cerca de 35.000 natalenses se juntaram mais de 10.000 soldados americanos, fato que alterou a feição da cidade, deixando-a com ares “americanizada”. Em razão disso, os hábitos dos natalenses foram profundamente alterados, como, por exemplo, as moças passaram a fumar, a beber e a freqüentar bailes, no mais perfeito estilo americano.
Natal perdia aos poucos suas características de cidade pequena. Seus habitantes que até então levavam uma vida modesta e tranqüila, passaram a fazer parte de um local que passou a tomar, inclusive, um aspecto cosmopolita, com a passagem pela cidade de pessoas de outras nacionalidades, com direito a figuras importantes, como D. Francis J. Spellman (arcebispo de Nova York), Bernard (príncipe da Holanda), Higinio Morringo (presidente do Paraguai), Sra. Franklin D. Roosevelt (Primeira-dama dos Estados Unidos), Sr. Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil), a madame Chiang Kai Chek (primeira-dama de Formosa), T. V. Soong, ministro das Relações Exteriores da China, os atores Humphrey Bogart, Clark Gable, o músico Glenn Miller, o cantor Al Johnson, entre outras personalidades.
Mas, o que restou de tudo isso? Qual a herança histórica de Natal? Quase nada. Enquanto vemos cidades como Casablanca, no Marrocos, também por sua condição geográfica, teve importante papel na Guerra, servindo, inclusive, de pano de fundo para um clássico do cinema, Natal mereceu um registro, acanhado, diga-se de passagem, quando aqui foi filmado “For All – O Trampolim da Vitória”.
Não dá para se entender como não temos um museu preservando um momento ímpar da nossa história. Quantos turistas, principalmente americanos seriam atraídos por esse pedaço da História? Infelizmente continuamos com o mesmo espírito pequeno, quando os feitos dos outros são mais importantes que os nossos.
Personagens como Maria Boa e Zé Areia têm que ser resgatados. Eles não podem, nem devem, existir somente na memória dos antigos. Eles fizeram parte, de forma ativa, daquela Natal.
Maria Boa com seu bordel que encantou aos americanos, sendo merecedora de uma homenagem, quando pilotos dos famosos B-25 pintaram uma escultura sua em dos aviões.
Flávio Silva, no seu trabalho Natal na Segunda Guerra Mundial: influência americana e prostituição feminina conta que “cercada por muros altíssimos, iguais às fortalezas de guardar donzelas nos tempos medievais, protegida dos olhares indiscretos e sombreada por enormes mangueiras, a boate de Maria Boa, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, estava para a boêmia local e internacional assim como o Maracanã está para o futebol mundial”.
Zé Areia, com sua “verve”, fez rir toda uma geração. Sua convivência com os soldados americanos é merecedora de obra literária. Seu “comércio” de papagaios com os soldados tem passagens hilárias.
Sobre venda de papagaios para americanos, há uma memorável passagem do nosso herói. Ele vendeu um papagaio muito novo, que tinha até uma ferida na cabeça. Para cobrir o ferimento, ele colou um selo postal. Como o americano estranhasse, ele foi rápido: “Com este selo, ele já está pronto para passar pela alfândega. Fiscalização muito exigente!”. Figuras como Maria Boa e Zé Areia têm que ser eternizadas. Os visitantes precisam conhecer nossa história. Infelizmente pouco, ou quase nada tem sido feito visando isso.
Mas nada está perdido. Temos pessoas que se interessam por isso. Que amam Natal. Falta o poder público colocar essa parte da nossa história como prioridade, que Natal terá um dos maiores chamarizes turísticos do Brasil. É pagar para ver.
Minervino Wanderley (2006)

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