5.6.09

A sisudez universitária

Antiga Faculdade de Direito na Praça Ausgusto Severo

A sisudez universitária
(Nei Leandro de Castro - Escritor)

Uma noite dessas, a convite da poeta, professora e amiga Ana de Santana, fui conversar com alunos de letras da UnP. Foi um encontro muito agradável, iniciado com uma demonstração de bom humor de meia dúzia de alunas, que se apresentaram como se fossem personagens do romance As Pelejas de Ojuara. Muitos risos, seguidos de exemplos de seriedade e competência no estudo do tema abordado. A coordenadora do curso, Célia Maria Medeiros, e a orientadora Ana de Santana estavam presentes, muito presentes. Os alunos demonstravam conhecimento e também pintavam e bordavam, na maior descontração. Cheguei à conclusão de que a sisudez dos mestres do meu tempo não deve existir mais nos cursos universitários de hoje.

Na época de minha faculdade de Direito, os professores achavam que a liturgia do cargo era estar sempre sério, sisudo, e dar aulas como se estivessem numa corte. Às vezes, uma corte marcial. Sem entrar no mérito da competência, as aulas eram cansativas e quase sempre chatas, pela seriedade exagerada dos mestres. Floriano Cavalcanti, professor de Introdução à Ciência do Direito, entrava em classe ao lado de Kant, utilizava em suas explanações um vocabulário que escapava a muitos, saía de classe de braços dados com Kant. Em uma de suas aulas, um alagoano muito talentoso, chamado Sávio, perguntou: “Mestre, o senhor conhece o filósofo Jean-Paul Sartre?” O professor Floriano, contrariado pela interrupção, respondeu do alto de sua sapiência: “Não o conheço e para mim, entendeu você, não constitui desdoiro não conhecê-lo.”

Paulo Viveiros, professor de Direito Romano, tinha uma gesticulação dramática e um tom de voz tonitruante. Erguia e baixava os braços, modulava a voz de acordo com o desenrolar do tema, parecia um orador de Roma antiga. Também era carrancudo, porque na Roma dos Césares os mestres deviam ser assim.Raimundo Nonato Fernandes, que vive a glória dos seus quase 90 anos, era uma barreira de difícil acesso. Com ele, quem não estudasse muito seria reprovado sem dó nem piedade. Ah, minhas intermináveis noites de estudo, mesmo detestando a matéria, mesmo detestando o curso, para não ser reprovado em Direito Administrativo.

Edgar Barbosa, brilhante como professor, brilhantíssimo como ensaísta, jamais deu um sorriso na faculdade de Direito – pelo menos, na presença dos seus alunos. Era muito sério, compenetrado, envolvido totalmente na matéria que lecionava. De vez em quando, ele se permitia sair dos temas de Direito Constitucional e fazia pequenas incursões pela literatura, sua paixão, sua verdadeira vocação.

Para não fugir à regra, havia mestres que faziam a exceção daquela sisudez universitária. O mais marcante, sem dúvida, era Véscio Barreto. Bom professor e uma figura cheia de humor, de presença de espírito. Consta que uma aluna sapeca, dessas que se sentam na primeira fila, disse baixinho ao professor Véscio: “Professor, a sua braguilha está aberta.” E Véscio, sem perder o rebolado: “Preste atenção à aula, menina...” No final do ano, Véscio Barreto dizia a seus alunos: “Eu não reprovo ninguém. Mentalmente, coloco uma cangalha em cada um de vocês. Os inteligentes tiram a cangalha logo, logo. Os burros vão carregá-la para o resto da vida.”

Um comentário:

Lívio Oliveira disse...

Beleza de texto! Beleza de blog!