18.12.08

Natal de muitos ontens.

Prezado Neto, eis-me aqui enxerido invasor do seu blog, para relembrar um pouco Natal de vários ontens. Isto se a memória ajudar. A mais remota recordação do meu Natal de antigamente prende-se a nossa chegada à cidade. Sim, minha família é da Paraíba e eu, o mais velho dos seis filhos de Seu Manoel e de Dona Laura. Aqui apeamos, eu com oito anos de idade, em 1952. Fomos morar na Rua Mossoró esquina com a Rodrigues Alves. Uma casa com um quintal imenso, que mais parecia uma granja, tão grande era o pomar. Fruteira de toda a natureza: goiaba, caju, laranja, manga, carambola, sapoti e, uma fruta que chamávamos azeitona. Até hoje não descobri o nome da dita, cuja característica era arroxear a língua quando saboreada.
A Rua Mossoró, continuação da Ulisses Caldas, não tinha calçamento. A pavimentação morria na junção das duas artérias. Lembro-me bem da trilha deixada na terra solta pelos lotações nos seus percursos circulares - quem imaginaria, meu caro, “desfrutarmos” do trânsito caótico de hoje? Por esse caminho, todos os sábados, eu e minha mãe íamos às compras no Mercado Público da Cidade Alta. Aquele mesmo acometido por um incêndio misterioso. Cesto de vime na mão cumpria minha obrigação como um castigo. Naquele tempo proliferavam os verdureiros. Ah, os verdureiros! Dava-me dó ver o esforço daqueles homens vendendo frutas e verduras, numa engenhoca de cipó trançado, com vários compartimentos para cada tipo de produto oferecido aos clientes. Os ombros protegidos por uma rodilha suportavam pesos exagerados.
Com a proximidade do Natal e do Ano Novo começavam as festividades públicas. Dessas, não me sai do pensamento o pastoril. Um tablado elevado armado na avenida formava o cenário para as apresentações das moçoilas: as pastorinhas. Representavam duas facções: os cordões azul e encarnado. As meninas entravam em cena cantando: “Boa noite meus senhores todos!/Boa noite senhoras também!/Somos pastoras, pastorinhas belas./Alegremente vamos a Belém.” Comandava o espetáculo a Diana reinando absoluta num vestido bicolor. Uma banda vermelha outra azul. Nas minhas fantasias juvenis, perdi as contas das vezes em que me imaginei raptando a Diana, para objeto de meus desejos poluídos. Se eu fosse um mago teria minimizado a Diana e a encarcerado na redoma de uma caixinha de música. Assim, ainda hoje, quando me batesse a melancolia, procuraria um refúgio secreto, daria corda no mecanismo da caixa mágica, apenas para ouvir minha Diana soltar a voz e entoar sua canção-tema: “Sou a Diana não tenho partido,/ o meu partido são os dois cordões./Eu peço palmas, peço riso e flores,/e aos meus senhores peço proteção”. Ah, Natal de tantos ontens!
Uma outra lembrança, meu caro Neto, que guardo carinhosamente no lado esquerdo do peito, bem próximo do coração, é a do nosso Atheneu no começo dos anos 60. O Atheneu de Pecado. Líder estudantil sem conotação política, alienado e bagunceiro, mas, respeitado e ouvido. Lembro-me de Pecado uma figura magra, quase esquelética e exótica. Desengonçado, encurvado ao andar e sempre, sempre com um cigarro pendurado no canto da boca. Pecado ensebou muitos trilhos na Junqueira Alves, para bondes escorregarem na rua aladeirada, diante do desespero de motorneiros, cobradores e passageiros. Como não bastasse o transtorno causado, ele e a molecada, de carona nos estribos aumentavam a carga do bonde, para dificultar a subida.
Alcancei o Atheneu no tempo em que Latim, Inglês, Francês e Espanhol faziam parte do currículo. Tive o prazer de assistir aulas de Esmeraldo Siqueira, Floriano Cavalcanti, Protásio Melo e de Dona Olindina. No intervalo das aulas sentávamos no muro do lado da Potengi e ensaiávamos um coro de assovios, para encabular as alunas do Colégio Imaculada Conceição, retornando das aulas do turno matinal. Ah, Natal de tantos ontens!
Pois é, prezado colega, sou tão saudosista quanto você e aqueles que visitam o seu blog. Sua iniciativa foi uma atitude louvável. Tanto é verdade que a satisfação emana do fundo da alma ao encontrarmos neste espaço eletrônico resíduos da história que desfrutamos. E recordando a vivenciamos novamente, pois recordar é viver.
(José Narcélio Marques Sousa)
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