Velha Ribeira boêmia como estás desfigurada!
Guardas ao menos, Ribeira, saudades do teu passado?
Foste elegante e formosa, e indiferente olhavas,
Do alto de teus sobrados, até onde a vista alcançava,
A embrionária cidade que aos poucos se estirava
Sobre planícies e dunas, elevações e charnecas,
Sem que ninguém a obstasse ou a mandasse estacar.
Quando passo em tuas ruas, ao final do expediente,
Sombria a tarde declina sobre desertas calçadas
Tornando ermos os pontos que os sonhos ainda guardam
Dos que seus ossos deixaram sob o piso da igreja,
Ou dos que se dissolveram em sete palmos de terra
Em macabros cemitérios a que foram destinados,
Já soterrados, porém, sob bairros, ruas e casas.
Então à memória me vêm janotas, almofadinhas.
Endinheirados que eram em seus Fords desfilavam,
E seus Pakards dirigindo, buzinando se mostravam.
Já na calada da noite, perambulando sozinho,
Agarro-me às lembranças das insones madrugadas
Aos amores alucinógenos e às alcoólicas fantasias
Vividas por dóceis mulheres e homens sentimentais.
Presenteados eram eles no auge de seus amores
Com trancelins de ouro e com broches de gravata.
A elas eram ofertados anéis de água-marinha,
Cremes, loções e extratos Lancaster e Royal Briard;
Outras marcas registradas, algumas até importadas,
Conforme seus interesses e suas disponibilidades,
Dependendo da paixão e do momento aprazado.
Houve tempo mais antigo, do qual ficou a história,
Quando dândis subnutridos e moças à melindrosa
Desfilavam na Tavares como se andassem em Paris,
E nos Champs Elysees daqui lançavam modas, ditados.
Em tuas ruas estreitas, trepidantes, animadas,
A Natal dos anos 40 tinha um encontro marcado.
E enfim nem chique nem mique para o povo conformado.
Ah, se não fosse o tempo, que nunca respeita nada,
Talvez tivesses fugido desse destino tão agro
De cansares a beleza antigamente louvada.
Talvez houvesses evitado os males que te consomem:
A maldição da velhice, a ingratidão do descaso,
O deplorável desprezo pelo brilho que tiveste
Como dama solidária nas festas de carnaval.
E quando a tarde declina sobre as desertas calçadas,
Eu deploro o teu presente de amante rejeitada
Que tanta riqueza teve e hoje não tem mais nada
Além do rosto encovado cobrindo faces rosadas.
Hoje me vejo rondando teus labirintos de sonhos
Onde a paixão se comprava com poesia ou pataca,
Por que sendo livre o amor e ao prazer se entregava.
Em requintados salões de senhoreais sobrados
Encantadoras mulheres suas bocas ofertavam,
Expondo os túmidos seios ao deleite se entregavam.
E então entre carícias, à meia-luz sussurravam,
Ternura e paixão fingindo na hora em que se doavam.
Ribeira velha de guerra, por que ficaste tão gasta?
Por que prolongas assim o teu impérvio caminho?
Sabemos que o teu amor provinha do coração,
Embora ao despertar com ele já não contássemos,
Pois conforme o hábito vigente tratava de evolar-se...
Velha Ribeira boêmia, agora já não és nada
Além de ruas desertas, calçadas desarrumadas,
Ruas feitas de silêncio, becos cheios de saudade.
Se não te ergues definhas, teu simbolismo se apaga.
Teus modos de cortesã, de dama sutil e devassa,
Resistiram a várias guerras feitas em terra, ar e mar.
Deste acolhida aos pracinhas da América luterana,
Que perderam sua inocência antes da morte encontrar
Na Alemanha nazista, na Itália de Mussolini,
Na Rússia dos bolcheviques, sem que jamais olvidassem
O teu doce encantamento, tua magia, tua alma.
Velha Ribeira boêmia, onde estão tuas mulheres?
Onde andam Francisquinha, Madame Chose, Odete,
Zara Pia, Maricele, Severina, China e Míria,
Ademilde, Maristela, Paulistinha e Onça Pintada,
Maria Rosa e Adelaide, Constância e Felicidade?
Já não as vejo na luz dos refratários ocasos
Que te escondem Ribeira, no sudário da saudade
(Nilson Patriota)
Guardas ao menos, Ribeira, saudades do teu passado?
Foste elegante e formosa, e indiferente olhavas,
Do alto de teus sobrados, até onde a vista alcançava,
A embrionária cidade que aos poucos se estirava
Sobre planícies e dunas, elevações e charnecas,
Sem que ninguém a obstasse ou a mandasse estacar.
Quando passo em tuas ruas, ao final do expediente,
Sombria a tarde declina sobre desertas calçadas
Tornando ermos os pontos que os sonhos ainda guardam
Dos que seus ossos deixaram sob o piso da igreja,
Ou dos que se dissolveram em sete palmos de terra
Em macabros cemitérios a que foram destinados,
Já soterrados, porém, sob bairros, ruas e casas.
Então à memória me vêm janotas, almofadinhas.
Endinheirados que eram em seus Fords desfilavam,
E seus Pakards dirigindo, buzinando se mostravam.
Já na calada da noite, perambulando sozinho,
Agarro-me às lembranças das insones madrugadas
Aos amores alucinógenos e às alcoólicas fantasias
Vividas por dóceis mulheres e homens sentimentais.
Presenteados eram eles no auge de seus amores
Com trancelins de ouro e com broches de gravata.
A elas eram ofertados anéis de água-marinha,
Cremes, loções e extratos Lancaster e Royal Briard;
Outras marcas registradas, algumas até importadas,
Conforme seus interesses e suas disponibilidades,
Dependendo da paixão e do momento aprazado.
Houve tempo mais antigo, do qual ficou a história,
Quando dândis subnutridos e moças à melindrosa
Desfilavam na Tavares como se andassem em Paris,
E nos Champs Elysees daqui lançavam modas, ditados.
Em tuas ruas estreitas, trepidantes, animadas,
A Natal dos anos 40 tinha um encontro marcado.
E enfim nem chique nem mique para o povo conformado.
Ah, se não fosse o tempo, que nunca respeita nada,
Talvez tivesses fugido desse destino tão agro
De cansares a beleza antigamente louvada.
Talvez houvesses evitado os males que te consomem:
A maldição da velhice, a ingratidão do descaso,
O deplorável desprezo pelo brilho que tiveste
Como dama solidária nas festas de carnaval.
E quando a tarde declina sobre as desertas calçadas,
Eu deploro o teu presente de amante rejeitada
Que tanta riqueza teve e hoje não tem mais nada
Além do rosto encovado cobrindo faces rosadas.
Hoje me vejo rondando teus labirintos de sonhos
Onde a paixão se comprava com poesia ou pataca,
Por que sendo livre o amor e ao prazer se entregava.
Em requintados salões de senhoreais sobrados
Encantadoras mulheres suas bocas ofertavam,
Expondo os túmidos seios ao deleite se entregavam.
E então entre carícias, à meia-luz sussurravam,
Ternura e paixão fingindo na hora em que se doavam.
Ribeira velha de guerra, por que ficaste tão gasta?
Por que prolongas assim o teu impérvio caminho?
Sabemos que o teu amor provinha do coração,
Embora ao despertar com ele já não contássemos,
Pois conforme o hábito vigente tratava de evolar-se...
Velha Ribeira boêmia, agora já não és nada
Além de ruas desertas, calçadas desarrumadas,
Ruas feitas de silêncio, becos cheios de saudade.
Se não te ergues definhas, teu simbolismo se apaga.
Teus modos de cortesã, de dama sutil e devassa,
Resistiram a várias guerras feitas em terra, ar e mar.
Deste acolhida aos pracinhas da América luterana,
Que perderam sua inocência antes da morte encontrar
Na Alemanha nazista, na Itália de Mussolini,
Na Rússia dos bolcheviques, sem que jamais olvidassem
O teu doce encantamento, tua magia, tua alma.
Velha Ribeira boêmia, onde estão tuas mulheres?
Onde andam Francisquinha, Madame Chose, Odete,
Zara Pia, Maricele, Severina, China e Míria,
Ademilde, Maristela, Paulistinha e Onça Pintada,
Maria Rosa e Adelaide, Constância e Felicidade?
Já não as vejo na luz dos refratários ocasos
Que te escondem Ribeira, no sudário da saudade
(Nilson Patriota)
Nenhum comentário:
Postar um comentário