28.2.09

Natal em 1909

Quando da realização da conferência Natal Daqui a Cinqüenta Anos, em 1909, Natal ainda era uma cidade muito pequena, cuja população se distribuía pelos bairros da Ribeira e Cidade Alta. Os bairros das Rocas e do Alecrim ainda se encontravam em formação. E o Plano da Cidade Nova, que hoje compreende os bairros de Petrópolis e Tirol estava apenas iniciando a sua implementação.
Naquela época, para muitos, Natal estava agonizando e já se vislumbrava o nascimento de uma nova cidade, que seria construída pelos jovens, e que realizaria sonhos de bondade e de civilização.
Natal era uma cidade provinciana, ligada aos folguedos folclóricos e à devoção religiosa, mas estava passando por um profundo processo de transição. As transformações abrangiam tanto os aspectos sociais quanto os de comportamento. O espaço físico e as formas da cidade também se transformavam. O momento era difícil, pois Natal estava perdendo seus costumes mais arraigados, para os quais ainda não encontrava substitutos à altura. Natal não dispunha das mais elementares condições de higiene. Parecia que os nossos jardins “foram construídos para revelarem a apatia da cidade, a nossa moleza tropical, a falta de cordialidade nas relações pessoais”.
Mas este quadro, pouco a pouco, começava a se transformar. A cidade estava sendo limpa e as pessoas se conscientizavam da necessidade de se proteger os jardins e as árvores das vias públicas. “As árvores já podem crescer na santa paz do senhor, e a natureza completará certamente o esforço do homem”.
A situação existente se entusiasmava com as perspectivas de mudanças que estavam sendo criadas. Este entusiasmo se justificava pela abertura e calçamento de avenidas da Cidade Nova e pela articulação da Cidade Alta com a Ribeira, através de melhorias da Avenida Junqueira Aires, hoje Avenida Câmara Cascudo, onde também se instalava uma linha de bondes; pelo saneamento das áreas alagadiças, na Ribeira e no Baldo, onde foram construídos, respectivamente, uma praça e um balneário; e pela construção nos morros de habitações amplas e arejadas dominando o vasto oceano.
Tudo isso representava, simultaneamente, uma visão da agonia da velha Natal e o nascimento de uma nova cidade. “A cidade desperta do seu sono três vezes secular e se sente bem a alegria de ver que a estão vestindo de novo, para a alegria de uma vida nova”.
De fato, nas primeiras décadas do século XX, Natal passou por grandes transformações. Estribada no sucesso da cultura algodoeira, a economia do estado se desenvolvia. Esse dinamismo econômico proporcionava, e ao mesmo tempo exigia investimento na infra-estrutura e nos serviços da capital. Nesse período foram construídas as primeiras ferrovias no esado, com a função, principalmente, de transportar algodão do interior do Rio Grande do Norte para Guarapes e, depois, para Natal. A primeira ferrovia, operada pela empresa inglesa Imperial Brazilian Natal and Santa Cruz Railway Company Ltd., havia sido inaugurada em 1883. Em 1906, entrou em funcionamento a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, e seis anos depois (1912), a Companhia Estrada de Ferro de Mossoró S.A.
Nesses anos, que marcaram a passagem do século XIX para o século XX, Natal foi aos poucos se aparelhando com as inovações que, então, caracterizavam a vida moderna. Já em 1895, a população conhecera o fonógrafo, exposto como uma novidade para a população. Em 1904, foi inaugurada a iluminação à gás de acetileno na Cidade Alta e, em 1906, na Ribeira. Dois anos depois, em 1908, entrou em funcionamento a primeira linha de bondes, puxados por animais, ligando a Cidade Alta à Ribeira. As linhas de bondes elétricos só foram instaladas em 1911, ano em que foi inaugurado o primeiro cinema de Natal, o Politeama. Na ocasião, foi ampliada a rede de telefones, e foi construído um balneário público na praia de Areia Preta; também se verificou, na ocasião, a construção de uma usina de eletricidade, o que permitiu a substituição da iluminação à gás pela a iluminação elétrica.
Completando esse quadro, cabe ainda registrar a criação, em Natal, da Junta Comercial (1900), do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902), da Sociedade Agrícola (1905), do Banco de Natal (1906) e, em 1909, do Liceu Industrial.
No plano cultural, o governador Alberto Maranhão (1901-1904 e 1908-1913) incentivava as letras e as artes, promovendo recitais, premiando autores e publicando livros.
Nas primeiras décadas do século XX, a população de Natal teve um crescimento significativo, passando de 16.059 em 1900, para 30.696 em 1920. Ao longo desse período, foram implementadas diversas ações higienistas, que contribuíram de modo decisivo para melhorar as condições de vida da população de Natal, ainda muito precárias. Além da Praça Augusto Severo na Ribeira e do balneário no Baldo, já citados, também foram realizados melhoramentos, entre 1908 e 1913, nas condições de saneamento e nos serviços de abastecimento de água que, inaugurado em 1882, teve então suas tubulações substituídas; durante o período, quando já ocorria a asseio noturno das ruas, também foi reorganizada a coleta de lixo, tendo sido instalado um forno para sua incineração. Acrescente-se ainda que os fiscais da Inspetoria de Saúde Pública visitavam todos os prédios particulares antes de eles virem a ser habitados.
Estes eram os principais elementos que se conjugavam para criar um clima de transformações vivido por Natal, na primeira década deste século.
Certamente Manoel Dantas, autor de Natal Daqui a Cinqüenta Anos, tinha consciência da impossibilidade para as muitas previsões que fazia. Eram obstáculos concretos decorrentes das condições sociais e econômicas, não apenas de Natal ou do Rio Grande do Norte, mas do próprio Brasil. Por isso sua narrativa não deve ser lida e interpretada ao pé da letra. Ao contrário, deve ser entendido como uma alegoria ou como uma metáfora da aspiração de modernização e de modernidade que as elites preconizavam para o futuro de Natal.

Fontes: Pedro de Lima, Elói de Souza e Manoel Dantas (Natal Daqui a 50 Anos-1909).

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